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Perversão – a moça e o presidente



Dois fatos ocorridos recentemente tem capturado a atenção da mídia e de todos nós. O primeiro, longe pela distância e perto pelos efeitos, diz respeito a um presidente que tem dificuldades em aceitar sua derrota. O segundo, no nosso quintal, refere-se a atos ininterruptos e sucessivos de violência cometida contra uma jovem. Graves, na medida que ela busca a ajuda e o amparo de instituições que supostamente deveriam acolhê-la e protegê-la e, nessas, é novamente agredida. Com isso, é de se pensar que o próprio aparato social vê abalada a sua credibilidade.


Na modernidade liberal estruturada pela lógica da perversão em que vivemos, identificar e nomear as formas e características com as quais essa se manifesta tem se tornado uma problemática importante a ser enfrentada. A psicanálise distingue, de um lado, a perversão como estrutura, onde o sujeito encontra uma forma preponderante de gozo na qual se coloca em uma determinada posição frente ao outro; e, de outro, a perversão como conduta, ato ou discurso. Nesse último sentido, todos nós podemos, eventualmente, atuar perversamente sem sequer percebermos.


Perversão gera perversão: a desconsideração, anulação ou violência contra o outro, nosso semelhante, gera imenso desejo de punição, muitas vezes carregado de raiva na mesma desmedida da conduta que gerou o sentimento. A lei de Talião é extremamente perversa, pois manda cortar uma parte do corpo por objeto roubado, não importa se foi por fome, necessidade ou defesa.

Pensar em um presidente, seja de que país for, que não aceita derrotas é imaginar que nos mais altos níveis de poder a desconsideração do outro é completa. Contudo, isso não deveria surpreender, já que toda forma de poder é uma forma de se atribuir direitos em cima da vontade do outro. Todo o poder é, em certa medida, o exercício de um aniquilamento do outro, e de uma certa colonização. Está bem, vive-se em sociedade, há que se fazer concessões, tomar decisões, por isso tenta-se instituir democracias, onde se faça valer a opinião da maioria.

Mas e se a própria opinião é manipulada de variadas formas, a exemplo das fakenews? E se tudo que se tem como fonte de informação são redes sociais alimentadas por streamings? E quando somos nós que, ao redistribuirmos as informações que nos são repassadas, espalhamos também nossa indignação, nosso ódio, nossa dor?


É muito difícil não se deixar tomar por tantas violências, pela desigualdade que rouba a dignidade, pela fome que assola. A perversão que nos tem capturado é, mais do que a estrutural, a perversão do discurso, do ato – ainda que possamos pensar que nosso corpo político e social tenha se tornado, em si mesmo, uma estrutura perversa.

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