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Amado ou Amante - As posições no amor

Atualizado: 5 de nov. de 2020

Na beira do rio, um casal namora. Se olham, sorriem. Dançando em um mesmo compasso, há uma sincronia perfeita entre o movimento dos dois. Quem os vê logo se encanta, pois sonhar e amar são verbos que tem o hábito de se derramar. Imaginamos de pronto uma certa correspondência entre os sentimentos de cada um. Pensamos sempre que cada parceiro é, ao mesmo tempo, amante e amado pelo outro.


Nada mais ilusório, reino da fantasia.


Na realidade, o que é mais frequente, muito mais frequente, é que um ame em maior ou menor medida que o outro. Ou, ainda, que em alguns momentos o sentimento de um corresponda ao do outro, mas que na maioria do tempo cada um vibre em cordas distintas, entoando cantigas que ecoam diferentes acordes. E o que mantém os parceiros unidos são os mais diversos motivos, justificativas melhores ou piores que o próprio amor.



Na Grécia antiga uma relação amorosa era algo bem diferente. Primeiro, o amor respeitado ocorria entre os homens, já que as mulheres não eram valorizadas como sujeitos. E, ainda assim, havia posições bem assumidas. A Érastes, o amante, cabia amar. Tal papel era ocupado por um aristocrata, mais velho, que geralmente se envolvia em um relacionamento com um jovem adolescente do sexo masculino. Esse, o Érômenos, era amado por sua beleza, modéstia, esforço e coragem, e era esse seu papel: ser objeto de amor de outrem. A ele não cabia amar.


O relacionamento entre o Érômenos e o Érastes era mais do que meramente sexual – inclusive as relações sexuais não necessariamente existiam. Além disso, o relacionamento por dinheiro era severamente punido. Mas o importante é que cada um sabia onde estava, no tocante ao amor. Um era aquele que amava. O outro, aquele que era amado. E cada um tinha bem definido o seu lugar.


Amar era algo muito valorizado, tanto assim que, na mitologia, Alceste era reconhecida como heroína por ter dado a vida por seu marido, quando nem mesmo os pais dele se ofereceram ao sacrifício. Diz-se que Hércules ficou tão comovido pelo sacrifício da jovem, que agarrou a Morte pelos braços, proibindo-a de levar a princesa consigo. Apesar de ser “apenas” uma mulher, Alceste estava no lugar de quem ama, lugar de Érastes, do amante.


Em outra história, Aquiles, amado de Pátroclo, fez uma guerra apenas para vingar a morte daquele que o amava. É ainda mais valorizado que Alceste, pois é mais fácil compreender os sacrifícios daquele que ama, do que daquele que é amado. Aquiles valorizou não somente quem o amava, mas o amor em si, e por isso foi ainda mais reconhecido pelos deuses.


É no equívoco de acreditar que amante e amado equivalem entre os personagens do casal que residem todos os mal-entendidos amorosos. Freud dizia que devemos amar para não adoecer. Não disse que devíamos ser amados, nem que deveríamos buscar amor. E é aí que fica a maioria, todo o tempo, demandando amor. Adoecidos.


Mas porque é tão fácil escorregar nesse malogro, entrar nesse jogo, cair no engodo? Ora...o amor prega peças, faz trocar as cadeiras. Tratando-se de algo que remete facilmente ao ideal de quem somos, fazendo brilhar qualquer coisa nessa paragem, nesse oásis, é fácil escorregar e cair para o outro lado.


Por outro lado, em se tratando de amor, também é por ele que um milagre acontece: o amado se torna amante. É a mágica do amor que faz o objeto de desejo se tornar um sujeito desejante.

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